A correção do gesto esportivo é uma das tarefas do Fisioterapeuta Desportivo, e seus fins podem ser desde a diminuição imediata da dor, como a diminuição da sobrecarga e prevenção de futuras lesões. Embora estudos clínicos, com aplicação visando determinado resultado (seja a diminuição da dor, seja a prevenção de uma lesão, por exemplo) ainda sejam muito raros, nos últimos anos diversos estudos, com meios de intervenção no gesto variados, têm surgido, trazendo mais informações sobre como corrigir ou alterar o gesto esportivo e quais os resultados alcançados, especialmente os descritos como variáveis biomecânicas. Abaixo apresentaremos o que há de mais atual.
Frequência do Passo
Uma das orientações que vêm sendo pesquisadas em relação à freqüência do passo durante a corrida é o aumento em 10% da freqüência preferida mantendo-se a velocidade de deslocamento. Essa orientação parece promover além da diminuição do comprimento dos passos, a diminuição de sobrecarga nas articulações dos joelhos e quadris, uma menor oscilação vertical e um menor ângulo de flexão de joelho, de acordo com HEIDERSCHEIT ET al (2011). Parece ocorrer também uma maior ativação dos músculos do membro inferior na fase de balanço tardio, com conseqüente alteração da mecânica de contato com o solo e menor pico de adução de quadril (CHUMANOV et al (2012). A diminuição da compressão patelofemoral também foi observada ( LENHART ET al (2014)) o que parece relacionado com uma menor flexão de joelho na fase de apoio. HOBARA ET al (2012) (full) encontraram melhora do impacto vertical (pico de impacto vertical e taxa de carga vertical, instantânea e média), embora tenham usado aumento da freqüência de 15 a 30% da inicial (pré-estabelecida ao invés da preferida do corredor). WELLENKOTTER ET al (2014) observaram diminuição da carga na planta do pé, embora tenha usado um aumento de 5% na freqüência de passos preferida. HAFER et al (2014) observaram alterações (menor tamanho da passada, menor dorsiflexão, menor ângulo de adução do quadril, taxa de carga vertical e menor momento de abdução do quadril) no aumento de 10% da frequência dos passos de corredores, com essas mudanças sendo mantidas após 6 semanas da orientação inicial e sem perda da eficiência da corrida. WILLY et al (2015) (ou no pubmed) utilizaram a orientação de aumento de 7,5% na frequencia dos passos de corredores que apresentavam elevado impacto vertical e, na comparação com o grupo controle, observaram não somente que estes corredores aumentaram sua frequência, como conseguiram manter os resultados um mês após o treino, obtendo benefícios em termos de diminuição da sobrecarga imposta ao corpo (menor força de reação do solo, menor impacto vertical, menor adução de quadril de pico e média, menor sobrecarga articular no joelho).
EDWARDS et al (2009), baseado num modelo biomecânico e pensando na redução da sobrecarga tibial e risco de fraturas de stress, sugerem que a diminuição do tamanho do passo é mais importante que a frequência para desenvolver a lesão.
Isso tudo é observado também na revisão sistemática de SCHUBERT ET al (2014), que concluiu que um aumento na freqüência do passo diminui a oscilação vertical, a força de reação do solo e energia absorvida em tornozelo, joelho e quadril.
Aumentar a freqüência dos passos mantendo-se a velocidade da corrida parece, consistentemente, diminuir a sobrecarga oferecida ao sistema músculo-esquelético. Esse tipo de orientação parece ser um recurso bastante útil para Fisioterapeutas e profissionais da saúde que atuam com a correção do gesto esportivo, de forma que seu uso parece garantido. Ressalta-se, porém, que não foram feitos estudos clínicos propriamente ditos, onde verificou-se a capacidade desse tipo de orientação em trazer benefícios (diminuição da dor, aceleração da recuperação, prevenção de lesões), de forma que a experiência de cada profissional vai dizer a importância de seu uso em cada circunstância clínica.
Outras Manipulações do Passo
Em relação à largura do passo (visto de frente – plano frontal) MEARDON & DERRICK (2014) analisaram corredores correndo na velocidade de um percurso de 5 kms, com a sua largura preferida, largura elevada (maior em, ao menos 5% que o comprimento da perna) e largura estreita (menor em, pelo menos, 5% que o comprimento da perna), e observaram que, de forma geral, a sobrecarga no terço distal da tíbia diminuiu com o aumento da largura do passo. Usando metodologia similar, MEARDON ET al (2012) observaram que o aumento da largura do passo (plano frontal) em corredores diminuía a sobrecarga (estiramento) sobre a banda íliotibial e sua diminuição aumentava a sobrecarga. BRINDLE et al (2014) analisaram 30 corredores (homens e mulheres), e observaram também na corrida que um passo mais largo diminuía progressivamente (de estreito, para normal, para largo) o valor de diversas variáveis em relação a um passo mais estreito, promovendo menores picos nos ângulos de adução do quadril e eversão do pé, menor pico do momento de abdução do joelho e impulso de abdução do joelho.
WILLSON ET al (2014) ao analisar corredores com síndrome da dor patelofemoral e pedir que esses manipulassem o comprimento do passo (plano sagital – visto de lado) mantendo-se a velocidade, observaram que aumentá-lo aumenta a sobrecarga na articulação patelofemoral, e sua diminuição promove uma menor sobrecarga, isso valendo para a sobrecarga para cada milha percorrida. CHEUNG & DAVIS (2011) apresentaram um estudo de caso com 3 corredoras com síndrome da dor patelofemoral, no qual buscaram diminuir o comprimento do passo e obtiveram melhoria dos sintomas em todas.
Tanto o aumento da largura quanto a diminuição do comprimento do passo parecem estratégias úteis para se diminuir a sobrecarga nas estruturas do membro inferior e, portanto, devem sempre ser consideradas na atenção aos corredores.
a diminuição da adução excessiva dos
quadris é um dos efeitos benéficos da correção
do gesto da corrida
Feedback em Tempo Real (FTR)
No treinamento com Feedback em tempo real, os corredores têm, em uma tela de monitor, indicações visuais sobre o movimento que estão realizando e devem “manipular” essas indicações de forma que elas não ultrapassem determinado valor. Essa manipulação é feita através de ajustes no próprio jeito de correr.
CROWELL et al (2010) utilizaram o FTR com o uso de um acelerômetro (preso à perna) em 5 sujeitos, correndo numa esteira, sendo o objetivo do trabalho verificar se era possível a redução de variáveis de carga (aceleração, impacto, taxa de carga) relacionadas ao surgimento de fraturas de stress, observando que houve redução dessas na maioria dos sujeitos. CROWELL & DAVIS (2011) utilizaram o mesmo princípio, e observaram redução das variáveis de carga (pico de força de impacto vertical, taxa de carga média e instantânea vertical), após o treinamento da marcha com o FTR, sendo estas reduções mantidas numa reavaliação feita um mês após o treino.
CLANSEY et al (2013) utilizaram Feedback em Tempo Real (através de acelerômetro na perna), observando, na comparação entre dois grupos, que aquele que o recebeu obteve redução das cargas verticais (taxa de carga média e instantânea vertical), sendo estas relacionadas a uma maior flexão plantar no contato inicial, uma maior tendência a pisar com o médio-pé (em oposição ao retropé) e redução da velocidade vertical do calcanhar no contato inicial com o solo. As alterações foram observadas no acompanhamento, realizado um mês após o fim do treinamento.
NOEHREN ET al (2011) utilizaram o FTR cinemático (com motion analysis) sobre a adução de quadril na fase de apoio em 10 corredores com dor patelofemoral. Observaram que após o período de treinamento (8 sessões, sendo que nas 4 últimas o feedback foi progressivamente retirado) houve uma diminuição do ângulo de adução na fase de apoio como da queda da hemipelve contralateral, melhora do impacto vertical e melhora da dor, sendo que essas alterações foram mantidas no acompanhamento um mês após o fim do treinamento.
O FTR parece trazer alterações consistentes, especialmente em relação às cargas verticais. Tanto o uso do acelerômetro na perna como o feedback em “motion analysis” da articulação do quadril parecem ser benéficos. Importante ressaltar que nenhum estudo clínico foi realizado, de forma que, a princípio, os resultados não podem ser extrapolados para indivíduos com lesões.
Fortalecimento Muscular
SNYDER et al (2009) realizaram um estudo que buscou promover alterações na corrida de 15 mulheres e consistiu, após avaliação inicial da corrida, de exercícios de treinamento de força (com ênfase em exercícios para rotadores de quadril) durante 6 semanas. Paralelamente aos ganhos de força muscular, encontraram levemente menor momento de abdução do joelho.
WOUTERS et al (2012) realizaram um estudo com 18 mulheres, com foco no plano frontal de movimento, no qual avaliaram o valgo dinâmico do joelho (agachamento unipodálico) e o gesto da corrida, realizando intervenção que durou 4 semanas e consistiu de exercícios de fortalecimento com orientação a respeito do alinhamento correto, obtendo diminuição do momento de abdução do joelho, e melhoria (não significativa, em termos estatísticos)no valgo dinâmico durante a corrida.
FERBER et al (2011) também buscaram promover alterações do gesto da corrida através de exercícios de fortalecimento muscular. Estudaram 15 indivíduos com dor patelofemoral e, embora tenham obtido maior consistência dos movimentos do joelho e menor dor após o treinamento (de 3 semanas) não observaram alterações nos ângulos durante a corrida.
WILLY & DAVIS (2011) realizaram um estudo randomizado no qual um grupo de 20 mulheres foi dividido num grupo experimento, que recebeu treinamento de força muscular (abdutores e rotadores laterais de quadris) supervisionado por 6 semanas e um grupo controle. Todas haviam sido avaliadas previamente como tendo excessiva adução de quadris durante a corrida. Os resultados mostraram não haver diferenças entre os grupos em relação ao gesto da corrida, mas a realização do agachamento unipodal apresentou melhoras (queda da hemipelve contralateral, adução e rotação interna do quadril menores).
Nos estudos com fortalecimento que encontraram melhoras no gesto esportivo após o treinamento as alterações benéficas encontradas foram muito sutis. De fato, parece haver necessidade de uma atividade mais específica para correção do movimento da corrida do que o fortalecimento muscular.
Treino com Espelho
WILLY et al (2012) aplicaram treino com espelho e feedback verbal em 10 corredoras com dor patelofemoral. Observaram melhoras na dor, no ângulo de adução do quadril e na queda do lado contralateral da pelve, sendo que a maior parte das melhorias se manteve mesmo 3 meses após o término das 8 sessões de treinamento, sendo que houve melhora nos gestos do agachamento unipodálico e descida de degrau.
Um estudo é pouco e, embora tenha sido um estudo clínico onde observou-se melhoria dos movimentos e da sintomatologia, faltou um grupo controle/placebo para maior solidez dos resultados. Ainda assim, o uso de um espelho associado a feedback verbal parece ser um caminho de tratamento promissor.
Considerações Finais
Tanto a Diminuição da Frequência dos Passos, Manipulação da sua largura ou comprimento, como o Feedback em Tempo Real ou o Treinamento com Espelhos (auxiliado por feedback verbal) parecem estratégias promissoras e, a princípio, nada impede que sejam usadas de forma associada por um clínico experiente. Mais estudos serão sempre benvindos, pois há muito o que confirmar ainda, mas os estudos atuais, mais numerosos em relação à Diminuição da Frequência dos Passos, estão mostrando um caminho interessante. Existem, de fato, outras estratégias utilizadas por clínicos que ainda não foram investigadas. Mesmo o fortalecimento muscular, embora inespecífico e, portanto, pouco eficaz no que diz respeito à correção do gesto, pode ter o papel ao corrigir déficits de força em indivíduos que, eventualmente, encontrem dificuldade em alterar o gesto devido a tal.
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