Análise do Gesto Esportivo da Corrida - Exemplo

 

 

 

 

A análise (e correção) do gesto esportivo é um importante aspecto da fisioterapia desportiva. O gesto esportivo é resultado não somente das experiências motoras prévias e do treinamento específico, mas também de alterações estruturais, neurais, musculares e miofasciais do indivíduo. Um fisioterapeuta que queira trabalhar com a correção das alterações de movimento deve ter um profundo conhecimento de todas essas áreas e saber trabalhar terapeuticamente em cada uma delas, além de saber integrá-las para, em última instância, corrigir adequadamente o movimento. O conhecimento do gesto esportivo também é outro aspecto fundamental.
 
 

 

Essa gravação foi realizada ao fim de 2011 com uma atleta que apresenta algumas interessantes alterações do gesto da corrida. Através de imagens estáticas retiradas do vídeo, vamos apontar as principais alterações observadas.
 
 
 
 
 
fig. 1
 
 
 
 
Na fig.1 observamos a fase de contato inicial do pé com o solo sendo feita com o joelho travado em extensão. Isso não é o ideal. O joelho deve estar levemente fletido para que a absorção do impacto ocorra de madeira mais fluída. O travamento do joelho, além de favorecer uma desaceleração do corpo, vai transmitir maior impacto do solo para as articulações mais acima. Além disso, os músculos posteriores da coxa estarão mais esticados o que, além de poder favorecer uma eventual lesão (estiramento) tanto deles como do tríceps da perna, vai favorecer a rotação posterior da bacia (retroversão). A rotação posterior excessiva da bacia consequências para a coluna lombar e para a sínfise púbica (os dois lados da bacia terão uma força de torção um em relação ao outro com repercussões na sínfise púbica).
 
 
 
 
fig. 2
 
 
 
Na fig.2 enfatizamos as alterações do pé e do tornozelo. Observamos que o contato inicial do pé está sendo feito com o calcanhar e que existe uma importante dorsiflexão (dobrado pra cima) do tornozelo. A dorsiflexão constante vai estar não somente esticando a musculatura posterior da perna (e da coxa, contribuindo para os estiramentos conforme mencionamos da figura 1), mas exigindo uma atividade constante dos tibiais anteriores, músculos da parte da frente da perna (que realizam a dorsiflexão), podendo favorecer uma síndrome do stress tibial ("shin splint", periostite).
 

contato inicial com o calcanhar é um aspecto que vem sendo muito discutido pelos profissionais que analisam movimento atualmente, sendo que existe uma discussão em saber se sua presença favorece ou não o aparecimento de lesões, em contraste com uma pisada com a sola do pé mais chapada (pisada com médio-pé). Esse é um aspecto que não consideramos essencial (pisar com médio-pé), mas via de regra o consideramos mais adequado. O importante é a posição do corpo quando o pé está totalmente apoiado no chão, sendo que o corpo deve estar imediatamente acima do pé (essa imagem não está ilustrada). Via de regra, quem tem o contato inicial com o calcanhar tende a ficar com o corpo atrás do pé quando este está totalmente apoiado.

 

 

 

fig. 3

 
 
 
A figura 3 ilustra o contato inicial do lado direito, realizado com leve flexão do joelho. Isso indica uma assimetria entre os dois lados. É importante salientar que essa dorsiflexão é observada no vídeo. Uma análise realizada somente com fotos poderia revelar o momento imediatamente após o contato do calcanhar, no qual o joelho, inicialmente extendido, já poderia ter se dobrado.
 
 
 
fig. 4
 
 
 
A fig.4 mostra que, no lado direito do corpo também ocorre a importante dorsiflexão de tornozelo, conforme mostramos na fig.2.
 
 
 
 
fig. 5
 
 
 
Na figura 5 observamos alguns aspectos referentes ao pescoço e à cabeça. O primeiro aspecto é o olhar, que se dirige para cima (a atleta olha para cima da linha do horizonte). O ideal é um olhar levemente abaixo da linha do horizonte. Como consequência (ou causa) desse olhar para cima, se observa também uma excessiva extensão do pescoço. Essa excessiva extensão coloca um atrito aumentado na região posterior das vértebras cervicais, o que futuramente pode promover um desgaste, favorecendo uma artrose. Além disso, a extensão excessiva pode indicar uma menor atividade da musculatura profunda anterior do pescoço, o que aumenta sua instabilidade, favorecendo outros tipos de lesão (hérnias de disco, por exemplo) ou desequilíbrios musculares (como aumento da tensão da musculatura posterior do pescoço) que podem levar a condições como cefaléias (dores de cabeça) devido ao aumento da tensão muscular ou restrição de movimento das vértebras.
 
 
 
fig. 6
 
 
 
A figura 6 apresenta o ponto mais baixo que a cabeça se encontra durante a corrida. Usaremos esse ponto de referência para identificarmos a oscilação vertical que a atleta apresenta durante a corrida. Isso será feito com a ajuda da figura 7.
 
 
 
fig. 7
 
 
 
Na figura 7 comparamos os dois pontos de oscilação vertical (inferior e superior) e podemos então inferir uma oscilação excessiva. Isso significa aumento do impacto e perda de eficiência mecânica. Essa atleta apresenta excessiva extensão de joelho (deveria estar mais fletido - veremos essa alteração mais à frente). 
 
 
 
fig. 8
 
 
 
Na figura 8 observamos o cotovelo e a altura da mão. O cotovelo está muito dobrado, muito fechado. Cerca de 90 graus de flexão é o ideal. Além disso, sua mão sobe acima da linha dos ombros, o que é desnecessário.
 
 
 
fig. 9
 
 
 
A figura 9 nos mostra o posicionamento do cotovelo e da mão opostas na mesma etapa da corrida. Podemos observar que a mão não se encontra na mesma altura (está mais baixa), se colocando na altura dos ombros (o que é o ideal). Comparando-se os dois lados, podemos facilmente inferir que existe uma assimetria de movimentos entre os mesmos.
 
 
 
fig. 10
 
 
 
A fig.10 mostra o contato do pé sendo feito com  o calcanhar e uma grande distância desse ponto e a linha vertical que passa pelo quadril. Como mencionamos anteriormente, o contato ser feito com o calcanhar não é obrigatoriamente ruim.
 
 
 
fig. 11
 
 
 
Porém, como vemos na fig.11, o pé se aplaina totalmente ainda estando à frente da linha vertical que passa pelo quadril. Essa falta de retorno do membro inferior promove uma menor eficiência do gesto da corrida, comprometendo não somente a propulsão, mas também causando maior gasto energético. 
 
 
 
fig. 12
 
 
 
Na fig.12 vemos o detalhe do joelho estendido na fase em que o pé sai do solo. Ele deveria estar mais fletido. Estando estendido ele empurra o corpo para cima e não para frente. Isso é um dos fatores que contribui para uma excessiva oscilação vertical. Isso indica uma predominância da atividade do quadríceps em relação aos ísquiotibiais nessa fase da corrida.
 
 
 
Agora vamos ver algumas alterações numa diferente perspectiva de visão. Estaremos vendo o gesto esportivo por trás.
 
 
 
fig. 13
 
 
 

Na figura 13 podemos observar duas alterações importantes. Uma delas é a rotação externa do joelho, que podemos observar pela linha traçada no pé. De fato, para que possamos ter certeza que a rotação ocorre no joelho um exame clínico prévio é importante para que se possa descartar alterações da estrutura óssea, como a torção tibial e a torção submaleolar.

 

A rotação lateral do joelho promove um deslocamento da patela para fora, e ela sai então de seu alinhamento ideal, favorecendo o aumento do atrito com a tróclea femoral. Isso pode favorecer o desenvolvimento de uma Condromalácia Patelofemoral e/ou Síndrome da Dor Patelofemoral. Essa rotação também pode aumentar o stress nos tecidos laterais e mediais do joelho.

 

A outra alteração importante é o desnivelamento da bacia, ficando baixa do lado da perna oscilante. A atividade muscular adequada da musculatura (abdutora) do quadril da perna apoiada em conjunto com a musculatura do tronco contralateral impediriam essa queda. Essa alteração tem repercussões importantes não somente em termos de lesão, mas também em termos da progressão horizontal e deslocamento vertical durante a corrida. De fato, a bacia mais nivelada permite à perna oscilante progredir, e na ausência desse nivelamento o atleta é obrigado a aumentar a frequência de passos (sua cadência) ou deve procurar outro meio da perna ter espaço para progredir. No caso da atleta em questão, esse espaço acabou sendo conseguido graças a uma excessiva oscilação vertical (observada anteriormente – fig. 7).

 

Em relação ao surgimento de lesões, a bacia desnivelada além de poder favorecer repercussões para a coluna lombar, promove um alongamento dos músculos e tecidos da parte de fora da perna apoiada, pois funcionalmente é uma adução do quadril (fechamento da perna em relação ao corpo). Isso pode aumentar o stress de tecidos na região externa da coxa, podendo favorecer o surgimento de uma Bursite Trocantérica assim como o desenvolvimento de dores patelofemorais (como vimos no artigo “Fatores de Risco para Síndrome da Dor Patelofemoral”). Além disso, a musculatura adutora tende a ficar mais aproximada, e acaba sendo usada em desequilíbrio (pela falta da musculatura abdutora) favorecendo-se assim dores, estiramentos e tendinopatias nesse grupo muscular.

 
 
 
 
Considerações Finais
 
 

De fato, as conseqüências das alterações observadas são, dentro de um contexto científico, especulativas em sua maior parte. Ainda não existem estudos correlacionem, em definitivo, certo tipo de alteração com algum tipo de lesão. Existem estudos (veja sobre dor patelofemoral aqui, aqui e aqui, síndrome da banda íliotibial, tendinopatia de aquiles, e dores e lesões na perna aqui e aqui) mas ainda são poucos e não foram repetidos, mas a análise da corrida (como demonstrada) nos permite inferir áreas de concentração de sobrecarga que, dentro de um contexto onde as lesões são multifatoriais, podem estar contribuindo para o surgimento, manutenção ou agravamento de uma lesão, de forma que considera-se uma análise detalhada algo que pode contribuir com a saúde, bem-estar e performance de um atleta praticante de corrida, seja amador, seja profissional.

 

 

 

 

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