As herniações discais são as “lesões de coluna” mais populares. O termo é, muitas vezes, erroneamente atribuído a qualquer dor que surge na região da coluna, especialmente da coluna lombar, mas se caracteriza pelo deslocamento do material do disco ou de seu conteúdo interno para fora de seu local anatomicamente correto. Uma das principais dúvidas que se pode ter em relação a essa condição é se ela regride, ou seja, se a herniação diminui de tamanho, em quais circunstâncias isso ocorre e o que faz com que isso aconteça com maior facilidade. Com base nessas questões, realizamos uma pequena revisão da literatura que pode permitir com que estejamos mais próximos das respostas. Questões como “é possível identificar, através dos exames de imagem (Ressonância Magnética e outros) se alguém tem dor devido a herniação” também puderam ser apreciadas. Importante salientar que o foco do artigo é na herniações discais da coluna lombar, de forma que nem sempre as informações poderão ser generalizadas.
Um visão simples da Vértebra e Estruturas da Coluna Lombar
Para fins de maior clareza do presente texto, apresentamos a seguir a imagem esquemática de como uma vértebra é vista lateralmente, com destaque para o corpo das vértebras, os discos intervertebrais que ficam entre eles, o Ligamento Longitudinal Posterior (LLP) e a duramáter (tecido que recobre a medula espinal).
Observemos que a região da frente da vértebra está à esquerda da imagem, e a região de trás à direita.
O disco intervertebral é a estrutura que sofre a herniação. Ou uma parte dele se desloca da região logo abaixo das vértebras sem que sua parede lateral se rompa (protrusão), ou essa parede se rompe (dando origem a uma hérnia extrusa ou seqüestrada). Essa é a classificação mais conhecida (embora existam outras).
Logo atrás das vértebras e do disco está o LLP (Ligamento Longitudinal Posterior). Na imagem, para fins didáticos, ele está a uma pequena distância das vértebras e dos discos, mas na realidade ele fica praticamente grudado, íntimo dessas estruturas. Um pouco mais atrás temos a duramáter, a primeira camada de tecido que recobre a medula espinhal. No espaço entre os discos ou vértebras e a duramáter temos o Espaço Epidural, que pode ser dividido em anterior (à frente do LLP) e posterior (atrás do LLP). Quando se menciona Espaço Epidural, geralmente se refere ao Espaço Epidural Posterior. A importância deste será vista ao longo do texto.
Afinal de contas, as Hérnias Discais Lombares reduzem de tamanho?
Em sua maior parte as herniações reduzem de tamanho.
COWAN et al (1992) acompanharam, prospectivamente, indivíduos tratados conservadoramente (através de injeção de corticoesteróides e analgésicos) com dor ciática há pouco mais de 4 meses (na média), avaliados por tomografia computadorizada e reavaliados, pelo mesmo exame, 1 ano depois. A reavaliação foi realizada em 106 dos pacientes e, dos 165 pacientes avaliados inicialmente, alguns não a realizaram, sendo que 23 deles (14% do total) não o fizeram pois tiveram de realizar cirurgia descompressiva. Naqueles que foram reavaliados, a maior porcentagem das herniações extrusas ou sequestradas (64 de um total de 84, correspondendo a 76%) apresentaram resolução total ou parcial no exame de imagem, sendo que, por outro lado, a menor parte das protrusões apresentou alguma melhora (7 de 27 discos protrusos, cerca de 26%). Todos os pacientes acompanhados, independentemente de terem herniação ou protrusão, puderam retornar às suas atividades diárias, sendo que daquele que, inicialmente, tinham sinais neurológicos (alteração de reflexos, força ou sensibilidade), 95% tiveram uma resolução completa ou parcial. Na discussão, os autores mencionam que, independentemente do mecanismo exato, a diminuição da herniação ocorre devido à sua exposição ao espaço epidural. Relataram que a melhora sintomatológica obtida em certos pacientes que não obtiveram melhora na imagem talvez estivesse relacionada à diminuição da inflamação pela aplicação de corticoesteróides, visto que a inflamação, e não somente a compressão, também pode ser origem de dor.
MATSUBARA et al (1995) estudaram 32 pacientes que realizaram 3 ou mais exames de RM em série, sendo que todos tinham lombalgia e dor ciática (supostamente em fase aguda), com teste de SLR (“Straight Leg Raise”) positivo. Todos receberam tratamento conservador (fisioterapia, injeções, tração, etc), e as imagens foram analisadas tanto no plano sagital como transverso. Observaram uma redução significativa do tamanho da herniação, especialmente quando ela era maior, e quando acreditava-se, pelo exame, que o ligamento longitudinal posterior fora rompido. A sintomatologia não apresentou correlação com a diminuição da herniação. A maior parte da redução da herniação ocorria, supostamente, na segunda metade do primeiro ano.
KOMORI ET al (1996) também encontraram dados semelhantes. Estes autores acompanharam clinicamente e através de Ressônancia Magnética 77 pacientes com dor na perna (com presença média dos sintomas de pouco menos de 2 meses) devido, supostamente, a herniação discal, tratados conservadoramente (tração, repouso e medicamentos). Os exames de imagem foram tirados em série, especialmente quando havia uma melhora dos sintomas (caso não houvesse correlação com a melhora, novo exame de imagem era realizado posteriormente). Observaram correlação estatisticamente significante entre os achados de imagem e a evolução clínica dos sintomas. Além disso, buscaram correlacionar o tipo de herniação com as alterações de imagem. Classificaram os achados de imagem em 3 tipos de herniação, numa visão sagital. O 1º tipo é uma herniação mais suave (com LLP íntegro), e os tipos 2 e 3 são herniações mais importantes (LLP rompido). Nesses dois últimos tipos foram encontradas mais mudanças (diminuições) do tamanho do material herniado, enquanto no primeiro tipo apenas uma minoria de casos teve diminuição (de fato, quanto maior a proporção de material herniado maior a importância de sua redução no exame de imagem). Outro fator observado no estudo, em alguns pacientes, foi o fato de que houve um “lag” entre a melhoria dos sintomas e a resposta no exame de imagem (os sintomas melhoraram mas o exame de imagem realizado logo após não revelou melhoria. Uma nova Ressonância Magnética subseqüente foi necessário para que a melhoria fosse observada).
Como hipótese para explicar o fato das maiores herniações terem maior redução, relatam que isso provavelmente se deve à exposição ao espaço epidural (devido à ruptura do ligamento longitudinal posterior), no qual há suprimento vascular e que essa exposição, então favorece a reabsorção devido à reação inflamatória, neovascularização e ação macrofágica.
O estudo de TAKADA et al (2001) (full) encontrou como resultado a tendência da herniações lombares do tipo extrusa e seqüestrada serem melhor reabsorvidas pelo organismo do que as protrusões discais. Eles investigaram 42 pacientes, que receberam tratamento conservador (repouso, medicação, injeção epidural, tração) acompanhados a cada 3 meses com nova realização de exame de Ressonância Magnética (após a inicial), com herniações discais e dores na perna (supostamente relacionadas à herniação). Também encontraram relação entre o grau de regressão da hérnia e a melhoria sintomatológica (geralmente com um atraso da redução na imagem em relação aos sintomas, ou seja, os sintomas melhoram antes da melhora da imagem), embora citem o caso de um paciente com protrusão discal que, embora não tenha obtido melhora no exame de imagem, obteve significativa redução sintomatológica. Relataram também que alguns dos pacientes com hérnia seqüestrada, embora tivessem obtido melhora da dor, tiveram seqüelas graves (força muscular do teste muscular manual menor ou igual a 3). Segundo os autores, a importância da redução da herniação estava ligada ao seu tipo, ou seja, se era uma protrusão, extrusão, ou hérnia seqüestrada, sendo isso devido à exposição ao espaço epidural e à maior irrigação sanguínea do mesmo. Nos pacientes com herniação subligamentar (que não atravessou o LLP) o mecanismo de redução da herniação seria desidratação e degeneração das células do material herniado.
CRIBB et al (2007) (full) acompanharam 15 pacientes que optaram por não realizar tratamento cirúrgico para herniação lombar maciça (pelo menos 50% do canal espinhal preenchido) com sintomas de radiculopatia. Os exames de imagem de acompanhamento ocorreram após uma média de 24 meses da avaliação inicial, e mostraram que todas, exceto uma, tiveram uma melhora dramática no primeiro acompanhamento. Relatam, que a melhora massiva ocorre devido à exposição oferecida pela extrusão (em oposição à protrusão) aos macrófagos no espaço epidural.
Num estudo prospectivo RAMOS AMADOR et al(2013)acompanharam 118 pacientes com hérnia de disco lombar e lombociatalgia (dor lombar e/ou ciática), avaliados por Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética. Observaram que, em um ano, 59% das herniações desapareceram e 83% da hérnias extrusas também. Das hérnias que desapareceram, 66% o fizeram com menos e 8 meses do exame inicial. Apenas 4% das hérnias aumentaram de tamanho. Observaram, também, que as hérnias extrusas tinham mais de 5 vezes de chance de desaparecerem relação às protrusões. Excluíram os indivíduos que tinham uma herniação menor que 3mm (conforme exame inicial de Tomografia Computadorizada), sendo que do total inicial, 46 pacientes não participaram das análises estatísticas (realizaram cirurgia ou não foi possível realizar acompanhamento).
Importante mencionar que houve relatos tanto de não haver relação entre a diminuição da herniação no exame de imagem apesar da melhora sintomatológica - MATSUBARA et al (1995) – como a presença dessa relação - COWAN et al (1992), KOMORI ET al (1996) e TAKADA et al (2001) - sendo que estes dois últimos observaram que, muitas vezes, a diminuição sintomatológica precedia a redução da herniação observada no exame de imagem.
Apesar de certas limitações da maior parte dos estudos, como a exclusão de pacientes com herniações pequenas, a diferentes definições de herniação, não homogeneidade ou sequer apresentação do tempo de presença dos sintomas, ou a não inclusão estatística de pacientes que sofreram cirurgia ou que, de alguma outra maneira, não puderam ser acompanhados, parece haver consenso de que as herniações discais diminuem de tamanho em sua maioria. Outra informação importante está relacionada ao tipo ou tamanho de herniação que tende a diminuir mais. Aparentemente, herniações mais importantes, e extrusas/seqüestradas (em oposição às protrusões discais) parecem ter uma diminuição de tamanho mais importante.
O que faz com que haja a diminuição da hérnia?
COWAN et al (1992), KOMORI ET al (1996), TAKADA et al (2001) e CRIBB et al (2007) relataram que a diminuição da hérnia parecia estar relacionada à exposição ao espaço epidural. MATSUBARA et al (1995) refere-se a isso de forma indireta, ao observar que houve tendência à diminuição quando, supostamente, o Ligamento Longitudinal Posterior estava rompido.
AHN et al (2000) buscaram verificar a importância da transição da herniação pelo Ligamento Longitudinal Posterior (LLP) com conseqüente exposição ao espaço epidural, e a influência disso em relação à regressão da hérnia. Neste estudo, 36 pacientes foram acompanhados, prospectivamente, tanto por imagem quanto clinicamente, sendo que todos tinham dor lombar e dor unilateral na perna associadas à herniação discal, com SLR ou teste do nervo femoral positivo e a maior parte tinha perda de força e alterações da sensibilidade. Todos receberam tratamento conservador com repouso, medicamentos e fisioterapia, tração e outros. Além do exame de Ressonância feito na admissão do paciente, novo exame era realizado quando havia significativa melhora dos sintomas (período este que variou de 3 a 27 meses, com média de 8 meses e meio). As herniações foram classificadas em três grupos, de acordo com a transição pelo LLP: subligamentar (ligamento continuou íntegro), transligamentar e seqüestrada. Os resultados mostraram que a maior porcentagem de redução da herniação ocorreu nas hérnias seqüestradas ou transligamentares, sendo que nas herniações subligamentares a redução tendeu a ser pequena (e significativamente menor em relação aos outros grupos), e que o principal fator relacionado a essa diferença foi a transição através do ligamento (em outras palavras, para haver maior redução da herniação é necessário que ela passe pelo ligamento – LLP – e se exponha ao espaço epidural). O tamanho inicial da herniação tendeu a estar relacionado à diminuição, mas essa relação não foi estatisticamente significante. A melhora clínica pareceu estar relacionada com a diminuição de 20% no tamanho da herniação (e não com a transição pelo ligamento ou o tamanho final da hérnia), ocorrendo na maior parte tanto dos indivíduos com hérnias subligamentares quanto transligamentares e seqüestradas. Os autores ressaltam (citando GRENIER ET al (1989)) que a exposição ao espaço epidural anterior (sem transição pelo LLP, o que ocorre nas herniações extrusas subligamentares mas NÃO nas protrusões) também auxilia na remoção da hérnia, embora este espaço não tenha a riqueza vascular do espaço epidural posterior e, dessa forma, não produza um efeito tão significativo.
Relembrando o que falamos anteriormente, o espaço epidural é a região imediatamente próxima à duramáter, uma das meninges que recobrem a medula espinhal. Devemos destacar que podemos ter, conforme AHN et al (2000) (que citamos acima) e HARO ET al 1996 (citado abaixo) o disco íntegro deslocado de sua posição usual - criando uma protrusão do disco (nesse caso o conteúdo interno do disco está “isolado” pelas paredes do disco intervertebral, que impedem sua exposição ao espaço epidural) – ou esse disco pode estar rompido com o conteúdo do núcleo (a hérnia extrusa ou seqüestrada) se expondo ao espaço epidural, porém, sem romper o Ligamento Longitudinal Posterior (considera-se, então, que o material herniado está no espaço epidural anterior), ou o Ligamento pode ter se rompido e o material herniado passou ao espaço epidural posterior (sendo que, quando não especificado, geralmente quando se usa o termo “espaço epidural” refere-se a essa região posterior).
HARO ET al 1996 compararam biópsias de herniações seqüestradas, extrusas transligamentares (que passaram pelo Ligamento Longitudinal Posterior),extrusas subligamentares, protrusões e tecido discal não herniado em relação à presença de células inflamatórias. No grupo chamado de “exposto ao espaço epidural” (hérnias seqüestradas e extrusas transligamentares) a proporção de células inflamatórias (especialmente macrófagos) foi maior que no grupo “não exposto” (hérnias subligamentares e protrusões), sendo que praticamente não foram encontradas células inflamatórias no tecido discal não-herniado. Ou seja, herniações expostas ao espaço epidural recebiam maior resposta inflamatória. Resultados similares foram encontrados por IKEDA ET al (1996).
KOMORI et al (1998) investigaram, restrospectivamente, 47 pacientes com dor ciática supostamente devido a herniações discais (não participaram indivíduos com protrusões assintomáticas ou herniações centrais), sendo estes examinados por Ressonância Magnética sem e com contraste, em duas ou mais ocasiões (caso fossem observadas alterações óbvias na imagem na ocasião de melhora dos sintomas não eram realizados novos exames de imagem e, se não houvesse melhora na imagem apesar da melhora sintomatológica, novo exame era feito 3 a 6 meses depois do exame anterior). Classificaram, numa visão sagital, dois tipos de hérnia, a extrusa (proeminência horizontal) e a migratória (se dirige verticalmente – caudal e/ou cranialmente). Observaram que nas herniações migratórias, apareceu, após contraste, um desenho circular, ausente nas herniações recentes. Em 17 de 22 casos, esse desenho se tornou espesso e invadiu o tecido da herniação, havendo então diminuição ou regressão total da hérnia, não ocorrendo isso naqueles em que não houve a presença desse desenho. Nas herniações extrusas, em 15 casos (de um total de 26), observou-se aumento da área de destaque do contraste (que na estava presente apenas na borda da raiz nervosa ou do tubo dural) nos exames de acompanhamento, e esses 15 casos apresentaram melhora clínica mais evidente, embora somente em 4 deles tenha sido observada uma diminuição da herniação (sendo que a presença do destaque foi um pré-requisito para que houvese a diminuição do tamanho). Houve 2 casos em que houve aumento do destaque do contraste nos quais não houve melhora clínica. Com base em outro estudo (HARO ET al 1996), os autores sugeriram que a presença do destaque pelo contraste significa a presença de tecido fibroso vascularizado, e que, por fagocitose ou degradação, haveria a resolução da herniação.
HENMI et al (2002) (full) acompanharam um pequeno número de pacientes (10 ao todo) com herniações discais extrusas que não eram sequestradas, em pacientes que aceitaram ser acompanhados através de Ressonância Magnética. Dentre as mensurações, inferiram a hidratação do material extruso em relação àquele do respectivo núcleo, observando que a mesma era maior logo após à herniação e diminuía à medida em que o tempo passava, e também foi observada uma maior taxa de diminuição do volume herniado naqueles que apresentavam maior hidratação inferida. A hidratação inferida do disco é, de acordo com os achados desse estudo, um preditor de prognóstico.
Embora a relação entre hidratação do disco e do material herniado possa estar correlacionada com a diminuição da herniação, aparentemente a exposição a um espaço de maior vascularização (espaço epidural através da transição pelo Ligamento Longitudinal Posterior) parece ser um fator mais importante. É possível que achados anteriores relacionados ao tamanho da hérnia, que indicavam que seu tamanho tinha relação com a proporção de sua diminuição, fossem, na verdade, resultados indiretos da transição pelo LLP pois maiores herniações tenderiam a ultrapassar o ligamento, enquanto herniações menores tenderiam a ser contidas. Dessa forma, herniações extrusas ou seqüestradas, especialmente as que ultrapassam o LLP, tendem a diminuir mais em relação a protrusões pela exposição ao espaço epidural, situação na qual têm contato com um maior suprimento vascular e conseqüente ação celular inflamatória que degradaria e reabsorveria o tecido herniado.
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