O texto a seguir tem por objetivo fazer uma revisão da literatura a respeito das técnicas de “thrust” (“ajustes”) da coluna lombo-pélvica, com foco específico na identificação dos segmentos menos móveis da coluna lombar e sua importância na aplicação das técnicas.
Uma das principais dificuldades dos profissionais na aplicação das técnicas de alta velocidade e amplitude curta (os “thrusts” ou “ajustes”) é em relação à identificação do segmento vertebral a ser manipulado. Isso porque, em alguns cursos, é ensinado que deve-se identificá-lo pela sua mobilidade, mais especificamente, pela sua hipomobilidade. A prática, porém, é muito menos clara que a teoria e a identificação do segmento com hipomobilidade ou acaba sendo desafiadora, ou sua identificação não necessariamente se traduz em resultados após a realização do ajuste.
Com o intuito de elucidar dúvidas a respeito da aplicação dos ajustes na vida profissional buscamos, na literatura, a resposta para algumas perguntas.
Utilizar a palpação para se identificar a mobilidade da coluna é um procedimento eficaz? É possível se identificar um segmento específico a ser manipulado?
Um primeiro passo para se estabelecer um segmento a ser manipulado é a identificação dos segmentos e seus componentes. Eis que a literatura não permite dizer que essa é uma tarefa tão simples assim.
SNIDER ET al (2011) estudaram a capacidade de se identificar os processos espinhosos da coluna lombar, concluindo que a precisão variava de acordo com a experiência do examinador, a presença de alterações anatômicas e das características físicas dos indivíduos, sendo mais difícil em mulheres e pessoas obesas. KILBY ET al (2012) buscaram avaliar a acurácia de identificação de pontos ósseos da região lombo-pélvica, concluindo que ela tem valor limitado. Num estudo (ROBINSON ET al - 2009)que avaliou a capacidade de dois diferentes examinadores em, dentre outras coisas, localizar os processos espinhoso de C7 e L5 foi concluído que “os procedimentos não eram suficientemente precisos”. PREECE ET al (2010) afirmam que a variabilidade anatômica da pelve pode influenciar a avaliação de assimetrias de ante/retroversão. Em relação à articulação sacro-ilíaca, GOODE ET al (2008) concluíram que, devido à pouca mobilidade da articulação, métodos palpatórios de diagnóstico da articulação teriam utilidade limitada.
Ou seja, a identificação de segmentos específicos parece não ser tão fácil e confiável assim. Isso poderia prejudicar a identificação de segmentos específicos para a realização da manipulação articular.
HAWK ET al (1999) avaliaram a confiabilidade (“reliability”) intra e inter-examinadores de se identificar através tanto da palpação como de análise visual os níveis vertebrais em que seria necessária a aplicação da técnica de ajuste por HVLA. Concluíram que, embora a confiabilidade intraexaminador fosse maior, havia pouco consenso inter-examinadores. FRENCH et al (2000) em outro estudo, chegaram a conclusões semelhantes, sendo o mesmo verificado numa revisão da literatura publicada no mesmo ano por HESTBAEK e LEBOUF (2000). Todos esses artigos se referem à coluna lombar. Ou seja, parece que a identificação de segmentos específicos para a manipulação articular não é um procedimento possível na coluna lombar.
Identificar os segmentos específicos da coluna a serem manipulados também parece não ser um procedimento tão confiável. A verdade é que, em parte, isso talvez se deva à dificuldade entre os diversos avaliadores de concordar sobre a identidade do segmento manipulável, ou seja, ambos percebem um mesmo segmento, mas um o identifica como sendo L3-L4 e o outro, como L4-L5.
Em relação ao uso da palpação estática na avaliação da coluna, não se limitando à lombar, a revisão de HANELINE e YOUNG (2009) concluiu que havia pouca concordância para a identificação de alinhamento ósseo ou de pontos anatômicos, mas que para a identificação de pontos de dor a concordância era maior. SCHNEIDER ET al (2008) avaliou métodos de palpação na coluna lombar concluindo que a palpação era mais confiável inter-examinadores para a identificação de segmentos com dor que para a identificação de restrição de movimento.
Aparentemente houve maior concordância em relação aos segmentos quando havia dor. Isso, de certa forma, invalida a teoria de que os erros de identificação dos segmentos a serem manipulados eram devido à terminologia inadequada do segmento.
Ou seja, o uso dos métodos de palpação parece não ser uma medida confiável para a verificação da qualidade de movimentos dos segmentos lombares ou lombo-pélvicos. Em primeiro lugar porque a identificação correta dos pontos anatômicos que identificam os segmentos não tem se demonstrado confiável. Em segundo lugar porque a identificação dos segmentos com alterações de mobilidade também não se demonstrou confiável, resultando na dificuldade em se definir com clareza o segmento a ser manipulado.
Ainda que seja possível, através da palpação, se concordar que um segmento da coluna esteja com menor mobilidade e assim seja candidato à manipulação, seria isso um achado confiável ou útil?
Segundo LANDEL ET al (2008) a resposta seria não. Esses pesquisadores encontraram boa reliabilidade entre 2 examinadores em identificar,através da pressão Póstero-Anterior, o segmento menos móvel da coluna lombar, mas baixa reliabilidade em identificar o mais móvel. Os achados dessa avaliação foram comparados com os de uma Ressonância Magnética Dinâmica, e a concordância foi baixa, concluindo que é questionável a utilização do teste de pressão Póstero-Anterior para verificação da mobilidade intervertebral da coluna lombar.
Por outro lado, segundo um estudo de FRITZ et al (2005) a palpação (pressão póstero-anterior) foi útil para classificar pacientes com dor lombar que responderiam bem a um tratamento envolvendo estabilização ou manipulação articular.
FLYNN ET al (2002) encontraram 5 variáveis, das quais 4 deveriam estar presentes, para que a manipulação lombar fosse bem sucedida (i.e. diminuísse os sintomas), sendo elas a duração dos sintomas (menos que 16 dias), certas crenças e medos em relação ao movimento (FABQ<19 – relacionada ao trabalho), presença de hipomobilidade lombar (verificada pelo teste de compressão póstero-anterior em decúbito ventral), sintomas que não se estendam além do joelho e pelo menos um quadril com mais de 35º de rotação medial. Ou seja, a presença de um segmento lombar com hipomobilidade não era um requisito obrigatório. Essa regra de predição clínica foi confirmada por CHILDS ET al (2004) e CLELAND ET al (2009).
Em concordância, FRITZ El al (2005) (2) concluíram que, para se beneficiar de uma manipulação da coluna lombar, o paciente não deveria ter sintomas abaixo do joelho e estes deveriam estar presentes a menos de 16 dias. Novamente não era necessária a presença de um segmento com hipomobilidade lombar. Dessa forma, não seriam necessários 4 itens dos 5 descritos anteriormente, porém, haveria uma pequena perda de precisão na identificação dos pacientes que se beneficiariam.
CHILDS ET al (2006) avaliaram a importância da manipulação em associação ao exercício, concluindo que ela pode prevenir pioras em pessoas realizando exercícios para dor lombar. A manipulação foi feita sem a avaliação específica da mobilidade segmentar da coluna lombar.
Importante mencionar que os estudos de FLYNN ET al (2002), FRITZ et al (2005), FRITZ El al (2005) (2), por CHILDS ET al (2004), CHILDS ET al (2006) e CLELAND ET al (2009) utilizaram a técnica de manipulação supina, normalmente considerada um ajuste da articulação sacro-ilíaca. O artigo de CLELAND ET al (2009) utilizou também a técnica de ajuste em decúbito lateral (“lumbar roll”) não encontrando diferenças de resultados entre ambas.
Ou seja, até agora parece não ser necessário encontrar um segmento específico a ser manipulado.
Caso seja importante, seria possível manipular um único segmento?
Em relação à especificidade da manipulação, ROSS ET al (2004) avaliaram as cavitações de manipulações lombares e torácicas. As manobras foram realizadas em indivíduos assintomáticos e como resultado obteve-se cavitações em múltiplos segmentos que, aproximadamente metade das vezes, incluía o segmento que se tinha como objetivo. Isso é uma evidência da dificuldade em se atingir o segmento realmente pretendido pela manipulação lombar. Ou seja, ela não é tão específica assim. CRAMER ET al (2011) afirmaram que o segmento alvo foi manipulado por volta de 70% das vezes em que se tentou, mas a definição de segmento alvo era menos específica que no estudo de ROSS ET al (2004), pois incluía os segmentos de L3-L4, L4-L5 e L5-S1.
Através desses estudos parece não ser possível a manipulação num nível vertebral específico, ou seja, a manipulação sempre influenciará mais de um segmento.
Considerando-se o que foi exposto, a utilização da palpação do movimento (e as verificações de end-feel) é questionável na escolha e aplicação de uma terapia manipulativa. Tanto sua efetividade como método avaliativo, como a necessidade de seu uso não são sustentados pela literatura científica, inferindo-se assim que é um método sem utilidade clínica ao Fisioterapeuta para fundamentar a escolha e/ou aplicação de técnicas manipulativas na coluna lombar.
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Comentários
Estudo há alguns anos a lombalgia, lombociatalgia e ciatalgia e gostaria muito de receber as notificações de trabalhos científicos.
Atenciosamente.
muitas vezes a própria verificação dos pontos anatômicas, sejam da pelve, lombar ou SI, têm pouca confiabilidade, de forma que a própria verificação da báscula da bacia é questionável, assim como a importância clínica de alterações sutis.
Atenciosamente,
Dr. Claudio Rubens
Fisioterapeuta
Crefito 3 - 45360-F
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